terça-feira, 29 de maio de 2012

Esquiva








Fotografia: Bill Brandt








    Introduzo-me

O blog persegue seu autor. O autor se esquiva do blog.
"É preciso alugar ou ocupar algum espaço como grileiro, cultivar uma safra pequena e comê-la em seguida. É preciso viver sozinho e depender de si mesmo, sempre com a mala pronta, prestes a recomeçar, sem muitos vínculos..."
Diante do blog, o autor está só, cultivando sua parcela de palavras, consumindo-a. Depende de si, ao se surpreender só, desvinculado, desenvolvido, pronto a se refazer.    A
lfredo Attié






Gosto da minha solidão acompanhada de outras.  MJ   









quarta-feira, 23 de maio de 2012

Do medo





Fotografia: JeanLoup Sieff







Sempre nos surpreendemos com o objeto do medo,
pois nunca é o que elucubramos que fosse. 
                                                                                 MJ










                                     

domingo, 13 de maio de 2012

E por que haverias de querer...(Hilda Hislt)









Fotografia: Gottfired Helnwein




E por que haverias de querer... (Hilda Hilst)

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras liquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.




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terça-feira, 1 de maio de 2012

Dos outros: Cântico Negro - José Régio





Arte: Marcel Caram




...porque há nos olhos meus, ironias e cansaços.


Cântico Negro - José Régio*



"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!




Recitado por Paulo Gracindo:
http://www.youtube.com/watch?v=LkYkp3ZsmJQ&feature=youtu.be



José Régio
Pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos. http://www.releituras.com/jregio_cantico.asp




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